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domingo, 9 de agosto de 2009

Cuidados paliativos



Saiba o que são cuidados paliativos, a quem se destinam e onde são prestados.




Os cuidados paliativos constituem uma resposta organizada do Serviço Nacional de Saúde à necessidade de tratar, cuidar e apoiar activamente doentes na fase final da vida.
O que são cuidados paliativos?
São cuidados prestados a doentes em situação de intenso sofrimento decorrente de doença incurável em fase avançada e rapidamente progressiva. O objectivo consiste em promover, tanto quanto possível e até ao fim, o bem-estar e a qualidade de vida destes doentes.
Os cuidados paliativos são cuidados activos, coordenados e globais, que incluem o apoio à família, prestados por equipas e unidades específicas de cuidados paliativos, em internamento ou no domicílio, segundo níveis de diferenciação.
Os cuidados paliativos têm como componentes essenciais o alívio dos sintomas, o apoio psicológico, espiritual e emocional do doente, o apoio à família e o apoio durante o luto, o que implica o envolvimento de uma equipa interdisciplinar de estruturas diferenciadas.
O que é a acção paliativa?
É preciso não confundir acção paliativa com cuidados paliativos.
A acção paliativa é qualquer medida terapêutica, sem intuito curativo, que visa minorar, em internamento ou no domicílio, as repercussões negativas da doença sobre o bem-estar geral do doente.
As acções paliativas fazem parte integrante da prática profissional, qualquer que seja a doença ou fase de evolução. Estas acções podem ser prestadas nos hospitais, centros de saúde e na rede de cuidados continuados, nomeadamente em situações de condição irreversível ou de doença crónica progressiva.
Quem são os destinatários dos cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos destinam-se a doentes que, cumulativamente, não têm perspectiva de tratamento curativo, com doença que progride rapidamente e cuja expectativa de vida é limitada, o seu sofrimento é intenso e têm problemas e necessidades de difícil resolução que exigem apoio específico, organizado e interdisciplinar.
Os cuidados paliativos não se destinam, por isso, a doentes em situação clínica aguda, em recuperação ou em convalescença ou, ainda, com incapacidades de longa duração, mesmo que se encontrem em situação de condição irreversível.
Que doenças requerem cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos não são determinados pelo diagnóstico das doenças, mas pela situação e pelas necessidades do doente.
No entanto, doenças como o cancro, a sida e doenças neurológicas graves e rapidamente progressivas implicam frequentemente a necessidade de cuidados paliativos.
Quando e durante quanto tempo os doentes podem beneficiar de cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos dirigem-se prioritariamente à fase final da vida, mas não se destinam, apenas, aos doentes agónicos. Muitos doentes necessitam de ser acompanhados durante semanas, meses ou, excepcionalmente, antes da morte.
Como é que são prestados os cuidados paliativos?
As unidades de cuidados paliativos podem prestar cuidados em regime de internamento ou domiciliário e abrangem um leque variado de situações, idades e doenças.
Os cuidados paliativos proporcionam aos doentes que vão morrer a possibilidade de receberem cuidados num ambiente apropriado, que promova a protecção da dignidade do doente incurável na fase final da vida.
Para saber mais, consulte:
Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados - http://www.rncci.min-saude.pt/

Dor



Saiba o que é a dor e como combatê-la.


A dor é a segunda causa de internamento e o segundo sintoma mais frequente em doentes com Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA).
Todos os tipos de dor induzem sofrimento frequentemente intolerável, mas evitável, que se reflecte negativamente na qualidade de vida dos doentes. É possível, nos dias de hoje, aliviar o sofrimento dos doentes com dor crónica.
Desde 2001, ano em que foi concebido o Plano Nacional de Luta Contra a Dor, que existem ou estão a ser criadas Unidades de Dor em hospitais de todo o país. Informe-se junto do seu médico.
O controlo eficaz da dor é um direito dos doentes que dela padecem, um dever dos profissionais de saúde e um passo fundamental na efectiva humanização das unidades de saúde.
O que é a dor?
A dor é um fenómeno complexo e com variantes multidimensionais (biofisiológicas, bioquímicas, psicossociais, comportamentais e morais). São inúmeras as causas que podem influenciar a existência e a intensidade da dor no decurso do tempo, a primeira das quais é a que se identifica como presumível resultado duma agressão ou lesão.
A dor é um sintoma que acompanha, de forma transversal, a generalidade das situações patológicas que requerem cuidados de saúde.
Independentemente da síndroma clínica que incorpora, a dor pode e deve ser tratada, com perspectivas de êxito proporcionais ao entendimento que dela temos e fazemos, à adequação e preparação científica dos serviços e profissionais de saúde envolvidos e ao manejo judicioso de todos os recursos, técnicos e humanos, disponíveis.
Dor aguda - É a dor de início recente e de duração provavelmente limitada. Normalmente há uma definição temporal e/ou causal para a dor aguda.
A dor peri-operatória – dor presente num doente cirúrgico, de qualquer idade, em regime de internamento ou ambulatório, causada por doença preexistente, devida à intervenção cirúrgica ou à conjugação de ambas – insere-se no conceito de dor aguda.
Dor crónica - É uma dor prolongada no tempo, normalmente com difícil identificação temporal e/ou causal, que causa sofrimento, podendo manifestar-se com várias características e gerar diversos estádios patológicos.
A actuação precoce na dor crónica pode evitar múltiplas intervenções e iatrogenias, promovendo mais facilmente o bem-estar do doente e o seu regresso a uma actividade produtiva normal.
A dor crónica exige uma abordagem multidisciplinar e a falência do tratamento tem, entre outras, consequências fisiológicas adversas.
Como se classifica a dor?
A dor pode ser classificada de diversas formas.
Classificação topográfica da dor
Focal
Radicular
Referida
Central
Classificação fisiopatológica da dor
Dor nociceptiva – devida a uma lesão tecidular contínua, estando o Sistema Nervoso central íntegro
Dor sem lesão tecidular activa – devida a compromisso neurológico (dor neuropática) ou de origem psicossocial (dor psicogénica)
Classificação temporal da dor
Aguda
Crónica
Recidivante
Como diagnosticar a dor?
O diagnóstico da dor é feito pelo médico, mas requer a ajuda do doente.
Além das metodologias de avaliação da intensidade da dor, existem meios complementares de diagnóstico que permitem identificar possíveis causas da dor, como, por exemplo, exames radiológicos, electrofisiológicos e laboratoriais.
Nem sempre a evidência clínica de uma lesão significa que esta cause dor. A não evidência de uma lesão não significa que a dor seja psicogénica.
O médico avaliará a dor em função de diversos factores, como por exemplo:
Queixa dolorosa ou reacção a eventuais intervenções;
Estado de ansiedade, depressão, alterações comportamentais e manifestações causadas ou modificadas pela medicação analgésica;
Estado de incapacidade;
Idade: as crianças e pessoas idosas têm maior dificuldade em verbalizar o que sentem, como sentem e onde sentem;
Doenças/patologias que o doente tem (nomeadamente reumáticas, oncológicas, respiratórias, etc.).
É possível medir a intensidade da dor?
Sim. Para a mensuração da intensidade da dor existem escalas validadas a nível internacional, designadamente a Escala Visual Analógica (convertida em escala numérica para efeitos de registo), a Escala Numérica, a Escala Qualitativa ou a Escala de Faces. A avaliação da intensidade da dor pode efectuar-se com recurso a qualquer destas escalas.
A intensidade da dor é sempre referida pelo doente, que tem de estar consciente e colaborar com o médico que está a fazer a avaliação. Se o doente não preencher aquelas condições, há outros métodos de avaliação específicos.
A escala que for utilizada na primeira vez que é feita a avaliação deverá ser utilizada nas vezes seguintes.
A dor provoca incapacidade?
Sim, a dor crónica pode provocar incapacidade, embora seja difícil avaliá-la, uma vez que, frequentemente, não é objectivável através de exames complementares.
Como é que se caracteriza um doente com dor crónica? O que causa a dor crónica?
O doente com dor crónica é multifacetado, com frequente morbilidade física e psíquica, podendo sofrer das mais variadas patologias, desde doenças reumáticas, neurológicas ou psiquiátricas, a doenças oncológicas.
Apesar de frequentemente pouco valorizada, excepto tratando-se de doença oncológica, a dor crónica também afecta as crianças.
Estima-se também que uma percentagem não negligenciável de pessoas idosas sofra de dor crónica. Isto porque a maioria dos idosos tende a encarar a dor como sendo normal na sua idade.
A maioria dos doentes com doença oncológica avançada sofre de dor crónica, a qual pode ser aliviada na quase totalidade dos casos (cuidados paliativos).
A dor é também a segunda maior causa de internamento e o segundo sintoma mais frequente em doentes com SIDA.
Como se trata a dor?
A dor aguda e a dor crónica, pelas suas características, são tratadas de forma diferente. Contudo, é possível aliviar o sofrimento dos doentes com dor crónica, a quem é reconhecido o direito de serem tratados em Unidades de Dor.
A terapêutica da dor divide-se em dois grandes grupos: a farmacologia (medicamentos) e a não farmacológica.
Técnicas farmacológicas
As técnicas farmacológicas mais conservadoras envolvem, fundamentalmente, a utilização de fármacos analgésicos e adjuvantes.
Os analgésicos podem ser opióides (morfina, por exemplo, e codeína) e não opióides (os anti-inflamatórios não esteróides e os antipiréticos, como o paracetamol e o metamizol).
Os fármacos adjuvantes, de enorme importância no controlo da dor crónica, são medicamentos que, não sendo verdadeiros analgésicos, contribuem para o alívio da dor, potenciando os analgésicos nos vários factores que podem agravar o quadro álgico. São exemplo, entre outros, os antidepressivos, os ansiolíticos, os anticonvulsivantes, os corticosteróides, os relaxantes musculares e os anti-histamínicos.
Existem também métodos farmacológicos invasivos, que envolvem a utilização de anestésicos locais e agentes neurolíticos para a execução de bloqueios nervosos, com a intenção de provocar interrupção da transmissão dolorosa.
São também considerados invasivos os métodos de administração de opióides, anestésicos locais e corticóides, por via espinhal.
Finalmente, existem também técnicas neurocirúgicas, sendo as mais conhecidas as neurectomias, as rizotomias, as drezotomias, as simpaticectomias, as cordotomias, as mielotomias e algumas técnicas de neuroestimulação (algumas das quais realizadas por via percutânea).
Técnicas não farmacológicas
Compreendem, entre outras, a reeducação do doente, a estimulação eléctrica transcutânea, as técnicas de relaxamento e biofeedback, a abordagem cognitivo-comportamental, as psicoterapias psicodinâmicas, as estratégias de coping e de redução do stress, os tratamentos pela medicina física (fisioterapia) e o exercício físico activo e passivo. Podem também ser usadas técnicas de terapia ocupacional e técnicas de reorientação ocupacional e vocacional.
É possível a autoajuda no controlo da dor?
Sim, é possível. A actuação e a intervenção dos profissionais de saúde que integram as equipas multidisciplinares são fundamentais nesta matéria, pois podem ensinar o doente a colaborar de forma esclarecida e adequada no controlo da dor.
O ensino dos doentes abrange as áreas seguintes:
Auto-avaliação da dor
O doente deve estar capacitado para ter em conta:
A localização da dor e da área ou áreas afectadas pela dor;
A identificação das limitações funcionais ou necessidades vitais afectadas, como o sono, repouso, exercício, alimentação, actividade sexual, actividades sociais ou outras;
A caracterização da dor quanto ao seu tipo, carácter e intensidade, através de escalas de avaliação;
A medicação que toma ou outras terapêuticas para a redução da dor e os resultados obtidos com as mesmas.
Formas de autocontrolo dos estímulos desencadeantes da dor e dos sintomas
Controlo de possíveis estímulos desencadeantes, como a mobilização, a compressão e a comunicação oral;
Controlo dos sintomas que podem diminuir a tolerância à dor relacionados com a própria doença e/ou com a medicação antálgica, como astenia, anorexia, náuseas e vómitos, obstipação, labilidade emocional e depressão.
Medicação antiálgica
Persuadir o doente a colaborar na implementação terapêutica e a cumpri-la;
Envolver os familiares no cumprimento das regras de administração dos medicamentos;
Desmistificar a utilização de opióides, particularmente da morfina;
Incutir no espírito do doente e dos familiares confiança na medicação, prevenindo expectativas irrealistas.
Auto-controlo da dor
Seja para diminuir a intensidade da dor ou o aumento da tolerância, as acções nesta área prendem-se, sobretudo, com o ensino de técnicas não farmacológicas de apoio, passíveis de serem realizadas pelo próprio doente. As técnicas de autocontrolo da dor podem ser de tipo comportamental e de tipo cognitivo.
Técnicas comportamentais
O relaxamento, pelos seus efeitos directos na tensão da musculatura – ao diminuir a hiperactividade muscular -, decresce, também, o agravamento e manutenção da dor;
Programação de actividades - ao diminuir progressivamente as actividades, aumenta a fixação nas sensações físicas e na exacerbação da dor, o que leva a sentimentos de desespero e perda da autonomia. O planeamento de actividades e o seu envolvimento promovem o sentimento de que é capaz e de que pode controlar a sua vida;
O registo da dor e de actividades – consiste no registo das tarefas que realiza e dos sentimentos e pensamentos associados à realização dessas tarefas, de acordo com uma tabela predefinida, a qual deverá incluir também o registo da intensidade da dor. Os dados registados serão analisados com o psicólogo e trabalhadas as cognições e os sentimentos inadequados.
Técnicas cognitivas
Distracção ou atenção dirigida – focar a atenção em algo que não seja a sua dor, como por exemplo ouvir música, ver televisão, ler. Este método pode reduzir a intensidade dolorosa ou aumentar a resistência à dor, tornando-a menos incómoda;
Estratégias de conforto - destinam-se a alterar as circunstâncias negativas relacionadas com a dor, reduzindo os seus efeitos nocivos. As mais utilizadas são a auto-instrução (auto-afirmações positivas perante pensamentos negativos); a testagem da realidade (procura de evidências empíricas para os seus pensamentos); a pesquisa de alternativas (procura de todas as alternativas possíveis e não apenas as negativas); e a descatastrofização;
Reestruturação cognitiva – vai além do debate lógico e do empírico. Consiste, também, no treino, ensaio e repetição de formas alternativas de discurso interno, de forma a conseguir substituir as cognições irracionais ou distorcidas associadas à dor por pensamentos mais relativistas, adaptados, funcionais e realistas.
Como se trata a dor aguda, nomeadamente peri-operatória ou pós-traumática?
Os avanços da fisiopatologia, da farmacologia dos analgésicos e das ciências da saúde em geral permitem que seja possível aliviar, na grande maioria dos casos, a dor no período peri-operatório ou resultante de traumatismos.
Normalmente, é definido, pelo médico anestesista, um plano integrado que abrange o tipo de cirurgia, a gravidade esperada de dor pós-operatória, as condições médicas subjacentes (como, por exemplo, a existência de doença respiratória ou cardíaca e alergias), a relação riscos/benefícios das técnicas disponíveis e as preferências e/ou experiências anteriores do doente relativamente à Dor.
No caso da dor peri-operatória, a técnica de controlo mais eficaz é a analgesia, seja administrada por métodos convencionais ou não convencionais (como a PCA – analgesia controlada pelo doente -, ou a epidural - analgesia espinhal), conjugada com a utilização de fármacos como os opióides e os anti-inflamatórios

terça-feira, 7 de julho de 2009

Quém não tem setress ???


Hoje em dia o stress acomete milhares de pessoas e não escolhe sexo, profissão, idade, escolaridade ou status social, entretanto poucos conhecem a fundo este “acompanhante” tão freqüente. A primeira notícia que pode surpreender algumas pessoas é que o stress não é uma doença e a segunda é que um pouco de stress é necessário para sobrevivência de todos nós.O stress é um processo que engloba a neuropsicofisiologia do ser humano. Isso quer dizer simplesmente, que há uma interação entre fatores neurológicos, fisiológicos e psicológicos. Ele é gerado por qualquer situação que afete o equilíbrio do organismo, gerando desconforto em algum desses fatores. Situações difíceis, que irrite, amedronte, ou até mesmo faça a pessoa imensamente feliz podem causar stress. (Lipp & Malagris,1995, Lipp & Malagris, 2001). Isso mesmo, situações como ganhar na loteria também podem deixar as pessoas com stress, pois causam mudanças no equilíbrio do organismo.Como disse anteriormente, o stress é um processo, e este processo é composto por fases, mais precisamente quatro. A primeira fase do stress, a fase de alerta, caracteriza-se pela preparação do organismo para a reação de luta e fuga, fundamental para a preservação da vida. Se o estressor persiste, inicia-se a fase de resistência, que se caracteriza pela tentativa do organismo adaptar-se, tendendo a procurar o equilíbrio interno. Caso não haja estratégias para lidar com o stress, o organismo exaure sua reserva de energia adaptativa e inicia-se a fase de quase-exaustão. A fase de exaustão vem seguida desta última, onde doenças mais sérias começam a aparecer e a pessoa não mais funciona adequadamente, geralmente não mais conseguindo trabalhar ou se concentrar. Há um aumento da exaustão psicológica em forma de depressão e exaustão física em forma de doenças, que podem culminar na morte do indivíduo (Lipp & Malagris, 2001).Muitas alterações fisiológicas e psicológicas podem ocorrer como decorrência do processo de stress. Estas alterações podem influenciar na vida social, profissional e familiar de um indivíduo, havendo necessidade do manejo do stress visando a qualidade de vida e o bem-estar físico e psicossocial. (Lipp, 2000) propõe quatro pilares que devem ser fortalecidos para um bom manejo do stress, objetivando proporcionar alterações no estilo de vida. São eles: alimentação, relaxamento, exercício físico e cuidados com os aspectos psicológicos através de terapia.

Stress em meio hospitalar



SITUAÇÕES INDUTORAS DE STRESS NO
TRABALHO DOS ENFERMEIROS EM AMBIENTE HOSPITALAR

Maria da Conceição de Almeida Martins *


INTRODUÇÃO

As situações indutoras de stress no trabalho dos profissionais de saúde, embora sejam, por muitos, reconhecidas, têm sido um pouco descuradas nos estudos de investigação realizados.
Sabe-se, porém, que os serviços de saúde, os hospitais em particular, constituem organizações bastante peculiares, concebidas quase exclusivamente em função das necessidades dos utentes. Dotados de sistemas técnicos organizacionais muito próprios , proporcionam aos seus trabalhadores, sejam eles técnicos de saúde ou não, condições de trabalho precárias, sendo, na maior parte das vezes, piores do que as verificadas na grande maioria dos restantes sectores de actividade.

Assim sendo, o trabalho em ambiente hospitalar contribui não só para a ocorrência de acidentes de trabalho, como também para desencadear frequentes situações de stress e de fadiga física e mental.

Por estas e outras razões, consideramos de grande interesse proceder a uma abordagem dos factores de stress do ambiente de trabalho, particularmente a nível da Organização Hospitalar, e da sua relação com a saúde mental dos indivíduos. Isto, porque as circunstâncias indutoras de stress devem ser identificadas e analisadas adequadamente, para que seja possível uma intervenção eficaz, no sentido de as modificar ou de minimizar os seus efeitos negativos.

Antes, porém, de abordarmos algumas das situações de stress, mais comuns na profissão de enfermagem, consideramos de interesse referir algumas características e funções da Organização Hospitalar, bem como os aspectos técnicos e relacionais do trabalho dos profissionais de saúde, preconizada pela OMS no seu "Programa Saúde Para Todos No Ano 2000".

2. A ORGANIZAÇÃO HOSPITALAR: CARACTERIZAÇÃO GERAL

Uma organização é um sistema composto por actividades humanas aos mais diversos níveis, constituindo um conjunto complexo e multidimensional de personalidades, pequenos grupos, normas, valores e comportamentos, ou seja um sistema de actividades conscientes e coordenadas de um grupo de pessoas para atingir objectivos comuns. (Chiavenato,1995).

De acordo com o autor supracitado, a interdependência de uma organização e o seu meio envolvente é uma condicionante essencial, especialmente no caso das organizações de saúde, as quais estão sujeitas a numerosas e mutáveis influências, nomeadamente: Demográficas e de mobilidade; Económico-financeiras; Sociais e culturais; Legislativas; Tecnológicas e funcionais.

Verifica-se, assim, que as organizações hospitalares são sistemas complexos compostos por diversos departamentos e profissões, tornando-as sobretudo uma organização de pessoas confrontadas com situações emocionalmente intensas, tais como vida, doença e morte, as quais causam ansiedade e tensão física e mental.

Relativamente às funções da Organização Hospitalar, e sendo o Hospital uma organização formal e institucionalizada de prestação de serviços, a grande maioria dos autores colocam a tónica nos cuidados a prestar aos seus utentes.

Com efeito, nos últimos anos, muito se tem falado de "humanização hospitalar", verificando-se que os estudos desenvolvidos sobre esta temática têm como objectivo primordial a qualidade de serviços prestados a quem procura e necessita de cuidados hospitalares, ou seja, os seus utentes.


As condições de trabalho, a motivação e, em consequência, o bem-estar dos profissionais de saúde tem sido relegado para segundo plano, ou mesmo completamente descurado.

De salientar, que a própria Direcção Geral dos Hospitais (1992), embora se preocupe com as duas dimensões fundamentais do trabalho na organização hospitalar (o utente e o trabalhador da instituição), em relação à dimensão humana do técnico de saúde, esta não parece ser contemplada, interessando, sim, os aspectos técnicos, o saber e o saber fazer.

Sendo assim, o ser, o saber ser, o saber estar e sobretudo o bem-estar do técnico de saúde, e neste caso específico o dos enfermeiros, são aspectos que não parecem ser fonte de preocupação para os investigadores e mesmo para o sistema político.

3. A PROFISSÃO DE ENFERMAGEM E SUAS CARACTERÍSTICAS

Faremos aqui uma breve abordagem à profissão de enfermagem, por serem os enfermeiros, enquanto técnicos de saúde, que constituem a nossa preocupação, dado que somos enfermeiros e docentes na área da Enfermagem Médico-Cirúrgica. De referir que, quando mencionarmos este grupo profissional, utilizaremos o termo enfermeiros no mesmo sentido de enfermeiras.

A profissão de Enfermagem, desde as suas origens, está ligada à noção de "cuidar", noção esta que se refere à prestação de cuidados e que está relacionada também com a noção de sobrevivência das pessoas.

É de salientar, como marco de referência da profissão de enfermagem, a enfermeira Florence Nightingale, de origem inglesa que, na metade do século XIX, realizou trabalhos sobre higiene, saúde pública, direcção e administração hospitalar, sendo que, para ela, a acção de enfermagem tem como objectivo primordial: "Pôr o doente nas melhores condições para que a natureza possa actuar" (Ribeiro et al., 1996).

3.1- O CONCEITO DE ENFERMAGEM

A enfermagem, numa perspectiva recente, tem sido alvo de várias tentativas de definição, com o objectivo de poder articular, de forma clara, os papéis e funções do profissional de enfermagem.


Apesar da evolução das definições de Enfermagem, não existe, no entanto, uma só definição universalmente aceite.

Das definições clássicas de enfermagem, destacamos a definição formulada por Virginia Henderson (1966), que descreve a função da enfermagem como: "ajudar o indivíduo, saudável ou doente, na execução das actividades que contribuem para conservar a sua saúde ou a sua recuperação, de tal maneira, devendo desempenhar esta função no sentido de tornar o indivíduo o mais independente possível, ou seja, a alcançar a sua anterior independência".

Segundo esta perspectiva, o enfermeiro deve ajudar o doente na satisfação das sua necessidades, apelando para o autocuidado e, em caso algum, substituir a pessoa nas actividades que ela possa realizar por si. De salientar que o modelo de Henderson ainda hoje exerce enorme influência, tanto no contexto da disciplina de enfermagem, como no exercício da profissão.

A revisão da literatura, depois da definição postulada por Henderson, revela um grande número de tentativas para definir com maior exactidão a profissão de enfermagem, algumas das quais passamos a descrever.

Yura e Cols. (1976) definem a enfermagem do seguinte modo: "enfermagem é, no essencial, o encontro do enfermeiro com um doente e sua família, durante o qual o enfermeiro observa, ajuda, comunica, entende e ensina; além disso, contribui para a conservação de um estado óptimo de saúde e proporciona cuidados durante a doença até que o doente seja capaz de assumir a responsabilidade inerente à plena satisfação das suas necessidades básicas; por outro lado, quando é necessário, proporciona ao doente em estado terminal ajuda compreensiva e bondosa".

Para Boore (1981), a competência fundamental da enfermagem é ..."ajudar os indivíduos e grupos a funcionar de forma mais óptima, em qualquer estado de saúde em que se encontrem".

Ainda segundo este autor, a enfermagem inclui as funções de cuidar na saúde e na doença, na sua máxima extensão, desde a concepção até à morte. Este modelo contempla, assim, a importância dos factores psicossomáticos e psicossociais da vida, que afectam a saúde e a doença.

Neste sentido, o objectivo da enfermagem será, pois, a promoção, conservação e restabelecimento da saúde, dando especial atenção aos factores biológicos, psicológicos e sócio-culturais, e com absoluto respeito pelas necessidades e direitos da pessoa a quem se presta esse tipo de serviço (Brunner, 1983).

Salienta-se ainda que, ser Profissional de Enfermagem implica, além do conhecimento de uma série de técnicas e habilidades, a apreensão das necessidades psicológicas da pessoa saudável ou doente.

Para tal, o enfermeiro deve possuir uma elevada capacidade empática, no sentido de saber colocar-se no lugar do outro, estando, ao mesmo tempo, consciente de que a utilização de estratégias psicológicas, no ambiente hospitalar, resultam não só em benefício para a pessoa doente, mas também para si próprio (Zurriaga et al.,1995).

3.1.1- Principais Características do Trabalho dos Enfermeiros

Na instituição hospitalar, o trabalho dos técnicos de saúde desenvolve-se em unidades de cuidados organizadas segundo as várias especialidades médicas.

Neste contexto, os enfermeiros inseridos nessas unidades realizam o seu trabalho em equipas de 15, 20, 30 ou mais elementos, consoante as necessidades e o tipo de cuidados exigidos.

Em termos de espaço físico, a maioria das unidades de cuidados destinam aos enfermeiros um gabinete para o chefe, uma sala de trabalho, onde se realizam todas as actividades dos profissionais de enfermagem, exceptuando os cuidados directos ao doente. Como tal, os enfermeiros não possuem um espaço para reuniões de equipa, ou para alguns momentos de pausa.

No que se refere ao tipo de horário, os enfermeiros devem trabalhar 35 horas semanais distribuídas por turnos de 8 horas, que podem ser praticadas no período da manhã (das 8 às 16 horas), da tarde (das 16 às 24 horas) e da noite (das 24 às 8 horas). Na maioria da vezes o número de horas de trabalho pode ainda prolongar-se por diversos motivos, tais como excesso de actividades a realizar, tempo gasto na passagem de turno (a transmitir informação) atraso por parte dos colegas, ou ainda por situações inesperadas e urgentes relacionadas com os doentes.


Verifica-se, porém, que o acréscimo de horas de trabalho, fora do horário normal de serviço dos enfermeiros, não é objecto de qualquer compensação.

Do exposto, torna-se fácil compreender alguns dos constrangimentos vivenciados pelos enfermeiros, tanto no contexto do seu trabalho, como no exercício das suas funções. Tais constrangimentos reflectem-se sobretudo a nível dos sentimentos de identidade e autonomia.

Contudo, referem alguns autores, tal problema advém também da própria atitude destes profissionais de saúde, os quais têm permitido que o seu trabalho seja organizado para dar resposta prioritariamente às prescrições feitas a determinada doença, assim como às regras institucionais (Lopes, 1997).

No entanto, todos os enfermeiros sabem que têm uma forte razão social para existirem, pelo que ninguém pode conceber uma organização de saúde onde tais profissionais não estejam incluídos.


Mas, apesar disso, e muito embora se trate do maior grupo profissional do sector da saúde, não lhes é, por vezes, dada a oportunidade de participar nas decisões das suas políticas, seja a níveis mais elevados ou a níveis mais intermédios.

Para melhor compreendermos algumas das causas desta problemática, é importante referir que, devido à evolução técnica e ao conhecimento científico (desde o início do século XX), os enfermeiros passaram a acumular uma diversidade de papéis, tais como: o de gestor da unidade de cuidados, o de apoio à pessoa doente e, também, com um relevo especial, o de colaborador no trabalho do médico.

Segundo Lopes (1997), neste amplo conjunto de funções sempre foi concedido aos enfermeiros um certo "espaço de poder", tratando-se porém de um poder virtual, dado que havia sempre alguém a controlar tal poder, mesmo que de uma forma subjectiva. Por isso, os enfermeiros ocuparam sempre um papel essencial nas instituições hospitalares, mas ocupando sempre um lugar de retaguarda.

Deste modo, os profissionais de enfermagem se foram organizando e deixando que os organizassem, no sentido de que aceitariam o dever de cuidar das pessoas sem nunca exigirem o direito de determinar o modo como satisfariam tal dever. Como tal, sempre se esperou que os enfermeiros respondessem à obrigação de cuidar fosse em que circunstâncias fosse (Salvage, 1990).

Posto isto, os enfermeiros ocupam o seu tempo numa multiplicidade de tarefas e actividades polivalentes. No entanto, sabe-se que são constantemente dominados por uma sensação de ambivalência, por não estarem a realizar aquilo que lhes compete, devido à enorme quantidade de tarefas que obrigatória e quotidianamente devem executar em tempo útil.

Tal realidade, quando percebida, provoca sentimentos de irritação e de frustração nos enfermeiros, sentindo-se condicionados por factores do contexto que os levam a reagir à margem do seu ideal profissional e pessoal.

Perante isto, as tomadas de decisão na organização do trabalho dos enfermeiros devem ser em função das necessidades da pessoa e não de interesses pessoais, institucionais ou de outros técnicos, de normas ou rotinas. Para tal, impõe-se uma reestruturação no funcionamento dos serviços através de novas dinâmicas das relações interpessoais no trabalho, anulação e libertação de comportamentos estereotipados, definição de objectivos qualitativos, em síntese, uma filosofia, como cidadão e ser humano que é.

4. FACTORES ESPECÍFICOS DE STRESS NO TRABALHO

A realidade do trabalho do enfermeiro, como já foi referido, é bem diferente da dos restantes técnicos de saúde. O enfermeiro é um profissional de saúde que presta cuidados globais a um doente. Para além dos cuidados de higiene, de alimentação e outros, o enfermeiro dá apoio psicológico ao doente e família, administra medicação e monitoriza todos os sinais e sintomas inerentes à situação do doente, tendo ainda que ter em conta as suas carências sociais.

No desenvolvimento das suas actividades verificam-se, assim, uma polivalência que, no entanto, não é acompanhada de uma autonomia e diferenciação de funções bem definidas, o que leva a conflitos e ambiguidade de papel.

Por outro lado, o trabalho de enfermagem é extremamente desgastante, não só pelos aspectos apontados, mas também devido às exigências relativas à pratica de horários rígidos e ao trabalho por turnos.

Assim, torna-se fácil compreender a problemática da profissão de enfermagem, da qual se diz ser de uma submissão consentida, que se vê confrontada com situações difíceis e perante as quais não pode deter-se a pensar em relações de poder, de autonomia e de status, devendo, antes, agir.

Por isso, o trabalho dos enfermeiros, em ambiente hospitalar, é um tipo de trabalho desenvolvido em circunstâncias altamente stressantes, as quais podem levar a problemas como:

Desmotivação; Insatisfação profissional; Absentismo; Rotação e tendência a abandonar a profissão.

4.1. O CONCEITO DE STRESSOR

Antes de referimos alguns dos factores específicos de stress no trabalho dos enfermeiros, consideramos necessário clarificar o conceito de stressor (fonte, situação, circunstância ou acontecimento indutor de experiências de stress).

Segundo a teoria transaccional, a condição de stressor depende do tipo de avaliação que a pessoa faz da situação, da sua vulnerabilidade à mesma, ou seja, das suas características individuais e das estratégias de coping (Lazarus, 1991, 1993).

No entanto, tendo em conta as condições de trabalho e o bem-estar da pessoa, torna-se necessário identificar elementos do contexto em cuja presença o indivíduo pode desenvolver experiências de stress e vivenciar as consequências negativas do mesmo.
Ivancevich e Matteson (1980), citados por Peiró (1993), propõem quatro categorias de stressores: Do ambiente físico; De nível individual (desempenho de papel e desenvolvimento da carreira); De nível grupal (relações interpessoais e pressões de grupo); De nível organizacional.

Referiremos, neste artigo, algumas situações indutoras de stress em ambiente hospitalar, e a sua relação com o bem-estar psicológico, utilizando, para o efeito, os termos stressor, factores, fonte, situação e circunstância indutora ou desencadeadora de stress, no mesmo sentido.
O tipo de trabalho
O trabalho por turnos
O trabalho por turnos é uma prática frequente e necessária a nível de várias organizações, nomeadamente nas instituições hospitalares. Trata-se de um tipo de horário de trabalho que afecta consideravelmente os técnicos de saúde.

Estudos realizados têm demonstrado que os trabalhadores que praticam este tipo de horário apresentam, com maior frequência, queixas de fadiga crónica e alterações gastrointestinais que os trabalhadores que têm um horário normal. As influências são tanto biológicas como emocionais, devido às alterações dos ritmos circadianos, do ciclo sono-vigília, do sistema termoregulador e do ritmo de excreção de adrenalina.

Para alguns autores, os efeitos deste stressor podem ser minimizados utilizando as estratégias seguintes: recuperação adequada dos déficits de sono e reservar e planear algum tempo para a vida familiar e social (Peiró, 1993).

Sobrecarga de trabalho

O excesso de trabalho, quer em termos quantitativos como qualitativos, é uma fonte frequente de stress. Por sobrecarga quantitativa entende-se o excesso de actividades a realizar, num determinado período de tempo. A sobrecarga qualitativa refere-se a excessivas exigências em relação com as competências, conhecimentos e habilidades do trabalhador (Peiró,1993). Por outro lado, considera o autor, o trabalho demasiado leve pode resultar também num importante stressor.

Também a atribuição de poucas tarefas durante o dia ou a atribuição de tarefas muito simples, rotineiras e aborrecidas, em relação às habilidades e destreza do trabalhador, podem ser causa de stress no trabalho.

Têm-se constatado relações significativas entre a sobrecarga de trabalho, desenvolvimento de ansiedade, diminuição da satisfação do trabalho e comportamentos nefastos para a saúde como, por exemplo, aumento do consumo de tabaco (Peiró,1993).

4.1.2- O conteúdo do trabalho

Nos estudos sobre o conteúdo do trabalho, a motivação intrínseca do mesmo, o desenho das tarefas e de postos de trabalho, e a própria acção humana no trabalho relacionada com as tarefas, têm sido identificadas uma série de características inerentes às actividades do trabalho que, se estiverem presentes de forma adequada, representam um importante potencial motivador e podem contribuir para o bem-estar psicológico dos trabalhadores. Porém, se estiverem inadequadamente representadas (quer seja por excesso ou por defeito), podem constituir uma fonte importante de stress. Dessas características, referiremos, apenas, aquelas que consideramos de especial interesse para o presente artigo.

Oportunidade para o controlo

Trata-se de um aspecto que pode produzir stress ou, pelo contrário, bem-estar psicológico, na medida em que o ambiente de trabalho permita ao indivíduo controlar as actividades e realizar as tarefas.

Para compreender melhor esta característica do trabalho, convém distinguir entre o controlo intrínseco do extrínseco. O primeiro refere-se à influência que o sujeito tem sobre o conteúdo do seu próprio trabalho (planificação e determinação dos procedimentos a utilizar). O segundo faz referência a aspectos do ambiente de trabalho (salários, horários, políticas da organização, benefícios sociais etc.), (Santos, A., 1988; Peiró, 1993).

Oportunidade para o uso de habilidades

Outra característica de relevo para o bem estar psicológico ou, pelo contrário, para o desenvolvimento de stress no trabalho é a oportunidade que o contexto sócio-profissional oferece ao indivíduo, para utilizar e desenvolver as próprias habilidades. Se estas oportunidades forem demasiado escassas ou, pelo contrário, excessivas, podem converter-se numa fonte de stress (Santos, A., 1988; Peiró, 1993).

4.1.3- O desempenho de papel

Uma das experiências mais frequentes de stress no trabalho é a que se origina pelo desempenho de papeis na organização. Um grande número de estudos avaliam o stress de papel, através de duas componentes: o conflito de papel e a ambiguidade de papel, e consideram como situações indutoras de stress algumas características do contexto social e organizacional que incidem sobre ele.

Conflito e ambiguidade de papel

Segundo Peiró et al (1992), o termo "papel" pode ser definido como o conjunto de expectativas e solicitações sobre os comportamentos que se esperam da pessoa que ocupa uma determinada posição (pessoa focal).

Essas expectativas e solicitações são emitidas pelos membros do conjunto de papel, que inclui todas as pessoas e/ou grupos que são afectados de alguma maneira pelo comportamento da pessoa focal e que têm, ou pretendem ter, capacidade de exercer influências sobre o comportamento daquela, emitindo expectativas e solicitações para isso.

Quando os membros do conjunto de papel enviam à pessoa focal exigências e expectativas incompatíveis entre si, pode produzir-se uma situação indutora de stress, ou seja, o conflito de papel. Quando as expectativas e solicitações são emitidas com insuficiente informação pode produzir-se uma outra situação indutora de stress, a ambiguidade de papel. Uma vez avaliadas e constatadas, por parte do sujeito, as dificuldades ou a impossibilidade de enfrentar adequadamente essas situações surgem as experiências subjectivas de stress de papel.

São exemplos de situações indutoras de stress de papel: As discrepâncias entre a prioridade das tarefas a realizar e os objectivos; A sobrecarga de papeis quantitativa ou qualitativa, por acumulação de funções e solicitações provenientes de um ou de vários papeis que a pessoa tem de desempenhar; O grau de autonomia e a delimitação de objectivos; O "feedback" recebido dos colegas de trabalho e a participação na tomada de decisões.

O conflito de papel apresenta relações significativas e positivas com a tensão no trabalho, ansiedade, depressão relacionada com o trabalho, sintomas neuróticos, queixas somáticas (fadiga, insónias), obesidade e doenças coronárias. Apresenta também relações negativamente significativas com a satisfação do trabalho, a motivação para o trabalho, o desempenho e compromisso organizacional, a participação e a auto-estima (Peiró e Salvador, 1993).

4.1.4- As relações interpessoais e grupais

As relações interpessoais e grupais são habitualmente valorizadas de forma positiva. Diversos teóricos da motivação têm assinalado que a afiliação é um dos motivos básicos do ser humano.


Sendo assim, os ambientes de trabalho que promovem o contacto entre as pessoas parecem ser mais benéficos que aqueles que o impedem ou dificultam.

Com efeito, as oportunidades de relação com os outros no trabalho é uma variável que aparece positivamente relacionada com a satisfação do trabalho, e negativamente com a tensão e a ansiedade (Gardell, 1971). Isto não significa que as relações interpessoais no trabalho resultem sempre positivas. Por vezes, podem converter-se em severos e importantes stressores.

Tipos de relações

A qualidade das relações interpessoais é um aspecto de grande importância no ambiente de trabalho. Como nos refere Cooper (1973), umas boas relações entre os membros do grupo de trabalho são um factor central da saúde individual e organizacional.

Porém, as relações ambíguas, pautadas pela desconfiança, pouco cooperativas e predominantemente destrutivas, podem originar elevados níveis de tensão e de stress entre os membros de um grupo de trabalho.

Um estudo realizado por Henderson e Argyle (1985), sobre o tipo de relações no trabalho, revelou que os indivíduos que diziam ter pelo menos um colega de trabalho seu amigo, dentro e fora do contexto do trabalho, apresentavam significativamente menos experiências de stress.

Relações com os superiores

No mundo do trabalho, o superior hierárquico, chefe ou director, é um ponto de referência importante para a maior parte das pessoas e pode ser uma das fontes de recompensas ou de sanções. Assim, as relações com o superior imediato podem contribuir para a satisfação do trabalho e bem-estar psicológico ou, pelo contrário, ser fonte de stress e de tensão.

Segundo McLean (1979), um tratamento pautado pela desconsideração e os favoritismos, por parte do superior, relacionam-se positivamente com a tensão e a pressão no trabalho. Além disso, uma liderança muito estreita e demasiado rígida sobre o trabalho dos subordinados também pode resultar em stress.

Relações com os colegas

As relações entre colegas podem ser uma fonte potencial de stress e ser altamente nocivas para a saúde mental. No entanto, se forem pautadas pela compreensão, tolerância e espírito de auto-ajuda, tais relações podem ser muito gratificantes e contribuir, significativamente, para um bom ambiente de trabalho.

Beehr (1981) aponta como principais factores de stress nas relações interpessoais entre os membros de um grupo numa organização a competição e rivalidade, a falta de apoio em situações difíceis e a falta de relações entre iguais.

d) Relações com os utentes

Estudos realizados sobre stress em profissionais prestadores de serviços (enfermeiros, assistentes sociais, médicos e outros) têm demonstrado que o trabalho com pessoas e as relações com elas, especialmente se estas apresentam problemas pessoais e familiares (doentes, pessoas com problemas sociais, marginalizados, etc.), pode levar a experiências de stress.

De facto, têm sido feitas diversas investigações com o objectivo de esclarecer os processos pelos quais os profissionais que prestam serviços e ajuda a outras pessoas começam a manifestar sentimentos de despersonalização, esgotamento emocional, frieza, indiferença e rejeição emocional perante essas pessoas. Estas e outras manifestações de natureza psicológica, comportamental e psicossomática, têm sido caracterizadas como "síndrome de burnout" ou de "estar queimado" (Leiter e Meechan, 1986).

e) Relações grupais

Nas relações de grupo são considerados como principais stressores: A falta de coesão; As pressões de grupo; O clima grupal e os conflitos de grupo.

Embora se reconheça que a falta de coesão nos grupos pode constituir uma fonte importante de stress, apenas existe evidência empírica do stress gerado pela excessiva ou escassa coesão de um grupo e suas consequências (por exemplo, em condições de trabalho de risco ou perigo, a coesão pode representar um forte apoio emocional e instrumental) (Peiró, 1993).

No que respeita às pressões de grupo, estas podem resultar em experiências de stress, às pressões exercidas pelo grupo para que os membros se acomodem às normas e expectativas do mesmo. Tais pressões podem resultar em fonte de stress se com elas se pretender reduzir, modificar ou anular, valores e crenças relevantes para o indivíduo, levando a várias alterações psicológicas e comportamentais (Laing, 1971).

O clima de uma equipa ou grupo de trabalho é também considerado um stressor importante para os seus membros.

O termo "clima de grupo" (ou de equipa) refere-se ao ambiente interno existente entre os membros dos grupos nas organizações e, está intimamente relacionado com o grau de motivação dos indivíduos (Chiavenato, 1995).

Segundo este autor, quando existe uma elevada motivação entre os membros de um grupo, o clima do grupo de trabalho traduz-se por relações gratificantes de satisfação, interesse e colaboração e, pelo contrário, uma fraca motivação entre os membros (por frustrações ou por impedimento à satisfação das suas necessidades) reflecte-se no clima de grupo dando origem a problemas emocionais, que se manifestam por: depressão, desinteresse, apatia e insatisfação, podendo, em casos extremos, chegar a estados de agressividade.

4.1.5- O desenvolvimento da carreira

De maneira geral, os diferentes postos de trabalho estão associados a determinados tipos de responsabilidades, recompensas e oportunidades.

Por isso, as pessoas aspiram alcançar certas posições e progredirem na sua carreira, na medida em o seu contexto profissional lhes der oportunidades para tal. Sendo assim, a carreira profissional de um indivíduo pode converter-se numa fonte de preocupações em alguns aspectos como, por exemplo: a segurança ou estabilidade do posto de trabalho, o excessivo ou insuficiente progresso e as mudanças imprevistas e/ou não desejadas.

Estes e outros aspectos podem levar a situações indutoras de stress e tensão no trabalho. De forma breve, faremos referência a alguns deles e à sua relação com o bem-estar psicológico dos indivíduos nas organizações.

a) Insegurança no trabalho

Hartley et al. (1991) consideram a insegurança no trabalho como um fenómeno objectivo/subjectivo, de qualidade cognitiva/afectiva, e relacionada com a continuidade do trabalho ou com algumas das suas características.

Nesta perspectiva, a insegurança no trabalho pode ser definida como: a interacção entre a probabilidade e a gravidade percebida de perder o emprego, sendo que a gravidade é uma função da importância subjectiva de cada uma das características situacionais e individuais que poderá ser prejudicada pela perda do trabalho e pela probabilidade percebida de o perder (Hartley et al., 1991).

A revisão da literatura menciona algumas consequências negativas desta situação, tais como: Relação negativa com a satisfação do trabalho; Satisfação e compromisso com a organização, e relações positivas com a ansiedade, depressão e irritação; Deterioração da saúde mental;


Queixas somáticas e respostas emocionais negativas como, por exemplo, nervosismo, medo, angústia e tristeza.

Além disso, alguns estudos revelam ainda que esta situação pode contribuir para incrementar outras fontes de stress. Isto porque, em situações de insegurança no trabalho (por exemplo, o trabalho com contrato a termo certo), as pessoas estão mais predispostas a aceitar sobrecarga de trabalho ou condições de trabalho menos adequadas, que podem acrescentar novas experiências de stress às já produzidas pela insegurança no trabalho (Hartley et al., 1991; Peiró, 1993).

b) Transições de carreira

Uma transição de carreira pode ser uma mudança de posto de trabalho, de nível hierárquico ou da organização onde se trabalha, e pode constituir fonte de stress, dependendo do seu grau de importância para o indivíduo. As promoções, por exemplo, podem conduzir a experiências de stress quando não correspondem às expectativas ou aptidões da pessoa.

O desenvolvimento da carreira resulta das aspirações e dos comportamentos das pessoas em interacção com o meio ambiente. Por isso, os níveis e momentos de promoção, por vezes, não coincidem com as preferências ou pretensões da pessoa. No entanto, mesmo assim, algumas pessoas aceitam a promoção atribuída, devido à sua incerteza quanto a oportunidades futuras (Peiró, 1990; Peiró, 1993).

Em alguns casos, o nível de promoção é inferior às expectativas e aptidões do indivíduo ("infra-promoção"). A frustração resultante desta situação, pode levar a alterações do humor, relações interpessoais pobres e insatisfação no trabalho (Levinson, 1978).

Neste aspecto, o autor considera, como situação indutora de stress, a demora ou estagnação que se verifica nas promoções dos indivíduos de meia-idade que ocupam cargos de poder nas organizações. Tais indivíduos desenvolvem experiências de stress que se manifestam por tensões, conflitos, ansiedade, insatisfação e medo relacionado com o seu estatuto profissional, ao perceberem que estão na recta final da sua carreira e que, a qualquer momento, podem ser substituídos por pessoas mais jovens e com maior preparação (Levinson, 1978).

Algumas investigações revelam também os efeitos da discrepância entre a posição ocupada e o nível de competência do indivíduo. Um exemplo desta situação indutora de stress é o caso dos dirigentes que, sendo promovidos a uma posição superior às suas capacidades e competências, passam a trabalhar em excesso (sobrecarga de trabalho) para ocultar a sua insegurança e falta de preparação (McMurray,1973).

Do exposto, parece ser fácil concluir que o desempenho de papéis, as relações interpessoais e o desenvolvimento da carreira são três realidades importantes no contexto sócio-profissional, que podem gerar satisfação do trabalho e realização pessoal mas que, frequentemente, podem ser também fonte de stress mais ou menos permanente e mais ou menos grave e intenso, dependendo das características individuais e situacionais.

4.1.6- As novas tecnologias

O termo novas tecnologias surgiu da dificuldade em estabelecer uma definição de tecnologia e, em termos de equipamento, refere-se fundamentalmente à electrónica e à informática (Gomes,1998).

Alguns estudos revelam que a introdução e implementação de novas tecnologias nas organizações, têm contribuído para o aparecimento de situações indutoras de stress, as quais podem produzir experiências de stress negativas e altamente nocivas para a saúde mental e bem-estar psicológico. Contudo, a necessidade de novos conhecimentos e competências requer mudanças que podem constituir também situações indutoras de stress.

Vários autores referem que a adaptação à mudança produzida pelas novas tecnologias é uma das situações indutoras de stress no trabalho. No caso concreto dos computadores, ainda que a sua introdução no trabalho possa reduzir o stress do mesmo, a adaptação das pessoas ao novo sistema pode resultar em experiências de stress acrescentadas.

Vários autores referem que as novas tecnologias podem proporcionar uma série de benefícios e inconvenientes, que incidem no trabalho e nas relações interpessoais e grupais.

4.1.7- Aspectos organizacionais

As organizações, como sistemas sociais que são, apresentam uma série de características globais que não podem reduzir-se à mera soma dos seus componentes, quer sejam papéis, pessoas ou postos de trabalho. Essas características gestálticas da organização são uma parte essencial do contexto organizacional em que as pessoas trabalham e interactuam, tendo em vista a satisfação das suas necessidades e o êxito dos objectivos da própria organização. Sabe-se, no entanto, que as organizações podem representar fontes de stress para os seus membros.

a) Estrutura organizacional

Numa organização, a estrutura reporta-se à forma como se dispõem os diferentes órgãos e níveis hierárquicos, as suas ligações e relações de interdependência, o seu funcionamento e formas de coordenação de esforços, com vista a cumprir os objectivos.

Alguns estudos referem que a centralização da organização na tomada de decisões demonstra relações positivas com a alienação dos trabalhadores, e negativas com a satisfação. Também se têm encontrado relações negativas entre a complexidade vertical (muitos níveis hierárquicos) e a satisfação do trabalho.

Por outro lado, o nível hierárquico da posição de um trabalhador apresenta uma relação positiva com a satisfação geral, e as posições de "staff" podem apresentar níveis mais baixos de satisfação, maior rotação e absentismo. A formalização de tarefas e procedimentos apresenta uma relação negativa com a satisfação, uma vez que os profissionais a entendem como uma ameaça para a sua autonomia (Peiró, 1993).

De acordo com Parreira (1988), os problemas de stress, gerados a partir das características organizacionais, que têm merecido maior atenção por parte da psicossociologia são: o alcoolismo, as perturbações afectivas (elevados índices de ansiedade), a fadiga excessiva e a repetição de acidentes em vários grupos profissionais.

b) Clima organizacional

O termo "clima organizacional" refere-se especificamente às características motivacionais do ambiente organizacional, ou seja, aos aspectos da organização que produzem diferentes espécies de motivação nos seus membros.

Nesta perspectiva , o clima organizacional é favorável quando proporciona satisfação das necessidades pessoais e eleva a auto-estima, e é desfavorável quando proporciona a frustração daquelas necessidades. Além disso, o clima organizacional influencia o estado motivacional dos indivíduos e é por ele influenciado (Chiavenato, 1995).

Vários autores têm assinalado a falta de participação como o predictor mais consistente de tensão e stress relacionados com o trabalho. A falta de participação está relacionada com os seguintes factores de risco para a saúde: Consumo de álcool "como forma de escape"; Ânimo deprimido; Baixa auto-estima; Satisfação geral e satisfação com o trabalho fracas; Diminuição da motivação; Intenção de abandonar o trabalho e absentismo (Irving et al, 1986).

Tem-se verificado, também, uma relação positiva entre problemas de stress no trabalho, uma liderança rígida e falta de autonomia no trabalho.

c) Cultura organizacional

Foi sobretudo a partir dos finais da década de setenta que se verificou o interesse pelo estudo da cultura organizacional. Tal interesse derivou da tomada de consciência por parte de vários investigadores, da importância dos factores culturais nas práticas de gestão dos recursos humanos e da crença no facto de a cultura constituir um factor de diferenciação das organizações bem sucedidas das menos bem sucedidas (Ferreira et al., 1997).

Porém, o termo cultura organizacional assume diferentes significados para diferentes autores, não existindo, por isso, consenso quanto à sua definição.

Evaristo Fernandes (1995), procedeu a uma análise de vários estudos, após a qual foi levado a concluir que, em termos gerais, a cultura pode definir-se como um conjunto complexo de conhecimentos, normas, leis, artes, costumes, tradições, hábitos e aptidões, que os homens adquiriram e sobretudo desenvolveram na sociedade onde se inseriram, a fim de obterem melhor compreensão, estabilidade, organização, convivência e dinamismo.

Para Fachada (1991), a cultura organizacional é o modo de vida dentro das organizações, ou seja, o conjunto de valores e de crenças que orienta a interacção e o relacionamento das pessoas dentro da organização. Segundo este autor, a cultura só tem verdadeiramente interesse na medida em que corresponde à expectativa dos indivíduos e contribui para a resolução de problemas da organização.

Assim, os indivíduos só se envolvem totalmente na organização, nos seus objectivos, se o seu sistema de valores e a percepção do seu próprio sucesso se enquadra no sistema de valores da organização, na sua cultura.

Como tal, um dos aspectos directamente relacionado com a cultura organizacional é a motivação humana, assim como a satisfação do trabalho dela decorrente. Por outro lado, entre outros aspectos, a cultura exerce uma enorme influência no desenvolvimento das relações interpessoais, dentro das organizações.

Posto isto, e de acordo com Evaristo Fernandes (1995), para obter um são equilíbrio, a organização deverá promover um bom clima de trabalho e ter como objectivo fundamental a realidade biológica e sociopsicológica dos indivíduos e não constituir agente de alienação dos mesmos.

4.2 - ALGUNS ESTUDOS DE STRESS NO TRABALHO REALIZADOS EM ENFERMEIROS E OUTROS TÉCNICOS DE SAÚDE

Embora não sejam muito conhecidas investigações feitas sobre a temática em questão, passaremos a mencionar aqui algumas, a que tivemos acesso através da revisão crítica da literatura. De salientar que as fontes de stress ocupacional mais estudadas nos técnicos de saúde referem-se aos factores de trabalho e sua interacção na pessoa do profissional de saúde.

Diversos autores têm identificado agentes específicos de stress relacionados com reacções adversas ao trabalho em ambiente hospitalar, nomeadamente: A sobrecarga de trabalho (física e mental); Insegurança do trabalho e inadequação das capacidades do indivíduo ao trabalho; Ambiguidade de papéis; Trabalhar em domínios desconhecidos, servir uma população que vive ansiedade e medo; Não participação nas decisões ou planeamento; Responsabilidade por outras pessoas e sub-aproveitamento das suas capacidades; Recursos inadequados; Ambições não satisfeitas, Conflito Interpessoal e Mudanças tecnológicas, entre outros aspectos (Calhoun,1980; Greenberg, 1987).

Com a finalidade de proceder a uma análise dos problemas de saúde ocupacional dos profissionais de saúde finlandeses, através de uma revisão da literatura, Leppanen e Olkinuora (1987), apontados por Mcintyre (1994), mencionaram que, a maior parte dos enfermeiros consideravam o seu trabalho compensador no que diz respeito a: Proporcionar serviços com significado, serem capazes de utilizar e desenvolver as suas capacidades profissionais e possuírem desafios profissionais. Porém, segundo os mesmos autores, o desafio foi considerado, por cerca de metade dos enfermeiros, como fonte de stress, pelo facto de sentirem falta de preparação, particularmente no que se refere a habilidades psicológicas. A sobrecarga horária e as situações inesperadas e urgentes são também referidas pelos enfermeiros como fontes de stress de grande relevo, no seu trabalho (Mcintyre, 1994).

Também Gray-Toft e Anderson (1981), citados por Mcintyre (1994), realizaram um estudo de stress em enfermeiros, no qual identificaram como principais situações indutoras de stress; A sobrecarga de trabalho e o facto de se sentirem insuficientemente preparados para lidar com exigências emocionais dos doentes e suas famílias. Os autores apontam como causas de sobrecarga de trabalho stressores de ordem organizacional, como conflito e ambiguidade de papel, e o nível de responsabilidade. Muitas vezes, a responsabilidade não é acompanhada da possibilidade de tomar ou influenciar decisões, o que aumenta o stress envolvido (Mcintyre, 1994).

Segundo o mesmo autor, a ambiguidade de papel pode ter origem na percepção comum dos profissionais de saúde, de que o seu trabalho com os doentes é ao mesmo tempo compensador e pesado. De facto, os enfermeiros têm de conviver com as expectativas dos doentes e familiares e também dos colegas e superiores, as quais nem sempre convergem, podendo entrar em conflito com as suas atitudes pessoais.

Por outro lado, o carácter hierárquico, burocrático e especializado da organização hospitalar traduz-se num clima organizacional que tem sido percebido pelos profissionais de saúde como gerador de stress. Esta fonte de stress é geralmente acentuada pela discrepância entre os valores dos profissionais de saúde, centrados nos objectivos da ciência e prática de cuidados médicos e de enfermagem, e os dos administradores dos serviços de saúde, que são de ordem predominantemente política e económica.

Alguns estudos demonstram que um clima participativo, caracterizado por trabalho de equipa, coesão de grupo, racionalização das tarefas e participação do doente, causa menor stress ocupacional (Calhoum,1980; Lindstorm,1992).

De realçar que muitas das situações indutoras de stress, até aqui referidas, podem surgir noutras profissões prestadoras de serviços. Porém, os diversos estudos realizados revelam um conjunto de fontes de stress que podem ser consideradas específicas das profissões de saúde. Estas fontes de stress são fundamentalmente de ordem sócio-emocional e prendem-se com o contacto com os doentes e a capacidade de responder às exigências emocionais dos mesmos. A falta de treino de competências psicológicas para lidar com tais exigências aumenta o stress desse contacto.

Esta questão é referida, tanto por médicos como por profissionais de enfermagem, como uma fonte de stress de grande relevância, podendo, ainda, ser agravada pela falta de um espaço de diálogo na instituição hospitalar, quer com os colegas e superiores quer com o doente e sua família (Dias, 1994).

Segundo Mcintyre (1994), uma percentagem considerável dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) evidencia reacções adversas ao stress, que afectam o seu bem-estar pessoal, a sua saúde mental e a sua capacidade de prestar cuidados adequados.

Os estudos realizados nesses técnicos de saúde têm incidido sobre os sintomas subjectivos de stress, de ordem psicológica ou psicossomática. Os primeiros incluem ansiedade, nervosismo, tensão, depressão e tendência para o suicídio; os segundos incluem dores abdominais, dores no peito, alterações dos batimentos cardíacos, náuseas, dores de cabeça e fadiga crónica (Burnout).


O síndrome de burnout inclui elementos objectivos e subjectivos, psicológicos e psicossomáticos, como depressão, queixas físicas, absentismo e tendência para o isolamento (Greenberg, 1987).
Kandolin (1993), num estudo realizado em profissionais de saúde que praticam trabalho por turnos, encontrou três aspectos de burnout: Fadiga psicológica, Perda de satisfação no trabalho e endurecimento de atitudes. Segundo este autor, o stress do trabalho faz-se também sentir na esfera familiar e social, nas relações de amizade e de lazer.

Os técnicos de saúde encontram-se, por isso, na posição insustentável de ter exigência emocionais elevadas no seu trabalho, na privação emocional e social fora da sua ocupação. Por outro lado, a exigência social de que o médico ou enfermeiro seja sempre médico ou enfermeiro fora da instituição hospitalar, contribui para esse isolamento emocional e para a fadiga ocupacional (Mcintyre,1994).

Com efeito, como já aqui referimos, ao nível do doente, a chamada humanização dos cuidados de saúde tem motivado uma atenção especial às dimensões sociais e humana da doença e do doente.


Porém, esta humanização não se tem estendido à pessoa dos profissionais de saúde, cuja saúde é presumida e não promovida.

A este propósito, têm sido apresentadas como técnicas possíveis de redução do stress sócio-emocional a disponibilização de espaços privados para os profissionais de saúde, o treino de técnicas de redução de stress, como as técnicas de relaxamento, a disponibilização de grupos de discussão e aconselhamento individual ou grupal (Mcintyre, 1994).

Segundo este autor, é questionável que se consiga uma melhoria dos cuidados de saúde sem prestar a devida atenção aos factores organizacionais e sócio-emocionais que afectam os profissionais de saúde. Por isso, torna-se indispensável o desenvolvimento de estudos nesta área, porque só assim teremos realmente cuidados de saúde prestados por profissionais de saúde "saudáveis" (Mcintyre, 1994).

Considera-se, por isso, que o enfermeiro deve desenvolver novas técnicas, habilidades e capacidades, de tal modo que permitam o bem- estar da pessoa , permitindo também que ele fique munido de instrumentos de trabalho para que sinta que, seja qual for o estado de saúde da pessoa, não se limitará a cumprir prescrições médicas, evitando, assim, sentimentos de impotência (Sousa, 1996).

Assim sendo, não obstante tudo o que foi referido, em nossa opinião, o enfermeiro não se deve demitir da submissão por ele consentida pois, como diz Sartre... "ninguém tem culpa do que fizeram de nós, mas todos somos responsáveis por aquilo que fizermos com o que fizeram de nós" (Lopes, 1997).

Segundo o mesmo autor, se o enfermeiro assumir o saber que já tem, não lhe será difícil alcançar o "poder" que lhe permita intervir, como é seu direito, na área da saúde e de conquistar o reconhecimento social que merece.

Resta ainda referir que, à luz do programa "Saúde Para Todos No Ano 2000", da O M S., já mencionado, e de acordo com Zurriaga et al. (1995), preconiza-se para gestão dos recursos humanos em enfermagem, na instituição hospitalar, algumas medidas que passamos a mencionar: Proporcionar condições de trabalho atractivas e gratificantes para os enfermeiros;


Assegurar uma utilização apropriada dos profissionais de enfermagem; Reconhecer a necessidade de educação permanente para o desenvolvimento da carreira; Estabelecer um programa de educação permanente acessível a todos os enfermeiros; Criar um departamento de programas de aconselhamento psicológico, tendo em vista o desenvolvimento pessoal, interpessoal e de carreira.

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..." Sempre se esperou que os enfermeiros respondessem à obrigação de cuidar fosse em que circunstâncias fosse".
Salvage (1990).

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Assédio moral no trabalho

Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra “assédio” significa “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém”.[1]

Ultimamente, tem-se ouvido muito falar em assédio moral, embora não seja grande novidade na história da humanidade.

Mas, afinal, o que é assédio moral no trabalho?
Você conseguiria identificar se está sendo vítima desse mal?

Segundo a médica Margarida Barreto, médica do trabalho e ginecologista, assédio moral no trabalho é “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego”[2].

Primeiramente, fala-se em “exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras”.

O trabalhador deve se sentir extremamente rebaixado, oprimido, ofendido, inferiorizado, vexado e ultrajado pela ação do assediador, que o persegue e o importuna.


Consta dos autos que a vítima vendia cotas para um consórcio e recebia tratamento desrespeitoso por parte de seus superiores, no intuito de vender e atingir metas. Eles aconselhavam-na a “sair com clientes” ou “vender o corpo”, além de agredir verbalmente não só à reclamante, mas também aos vendedores que não alcançavam as metas, fazendo comentários irônicos, aplicando advertências, e tratando-os de forma extremamente grosseira, inclusive com xingamentos. Tudo acontecia na presença de outros funcionários, os quais serviram de testemunha no decorrer do processo.

Indiscutivelmente, havendo laudo clínico ou não, a reclamante teve sua saúde psicológica afetada, além de sua vida profissional e privada. Não houve respeito algum por parte dos superiores à sua “dignidade humana”, posto ter sido “exposta ao ridículo” e tratada como simples objeto, e não como trabalhadora que era.

O assédio moral restou caracterizado pelo desrespeito à honra, moral e dignidade da trabalhadora. Houve, ainda, patente discriminação à figura da mulher, como se devesse estar à disposição de qualquer demanda do homem. Assim, consagrou-se evidente seu direito em requerer indenização por danos morais, a qual lhe foi concedida no valor de dez vezes o valor recebido normalmente no trabalho.

Dando continuidade à análise do conceito de assédio moral, ressalta-se que a exposição a esse tipo de situação deve ser “repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”.

Para bem ilustrar o assunto, citaremos o caso de Denise Gomes, 50 anos, professora cujo depoimento foi dado à Revista Veja, e publicado na Edição 1913, de 13 de julho de 2005.

Através de ação judicial, a professora obteve a rescisão do contrato de trabalho, além de indenização no valor de 25 mil reais. Vejamos as declarações de Denise:

“Entre 2004 e 2005, fui moralmente assediada por coordenadores do departamento da universidade onde trabalhei até o mês passado.

Depois de um período de afastamento, encontrei um ambiente hostil. Deram-me um horário irracional. Em um dia, tinha de trabalhar doze horas ininterruptas. Quase todos os dias, recebia ofícios de advertência, sem que nada tivesse feito de errado. Elegi-me para uma comissão de prevenção de acidentes e passei a ser ainda mais humilhada.

Deram-me atividades de orientação de estagiários, com a justificativa de que eu não tinha qualificação para dar aulas. Numa reunião, o coordenador agrediu-me aos berros na frente de colegas e funcionários. Cheguei a ser colocada numa salinha, sem nada para fazer. Nesse processo estressante, adoeci e voltei a sofrer convulses depois de 24 anos sem ter esse problema.


Extrai-se do depoimento da senhora Denise que a humilhação acontecia na universidade, ou seja, em seu ambiente de trabalho e, ainda, no exercício de suas funções. Ademais, o assédio era repetitivo, acontecendo quase diariamente, além de prolongado, posto ter ocorrido por vários meses, entre 2004 e 2005.

Explica, ainda, Margarida Barreto, ser a perseguição mais comum em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas[5], predominando condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s).

Segundo o dicionário Houaiss, relações assimétricas seriam relações desiguais, desproporcionais e diferentes, ou seja, desarmônicas.

Apesar do assédio moral no trabalho ser mais comum em relações hierárquicas, ou seja, de chefe(s) para subordinado(s), há ainda casos de colegas de trabalho que assediam a outros colegas.

Na mesma edição da Revista Veja estão as declarações de Ronaldo Nunes Carvalho, 37 anos, na época vendedor em uma cervejaria em Porto Alegre. Vejamos:

“Durante um ano e quarto meses vivi num inferno, como vendedor de uma companhia de bebidas. A ordem da gerência era ridicularizar quem não cumpria as metas. Nas reuniões que precediam as nossas saídas para a rua, cada vendedor relatava os resultados do dia anterior.

Quando eu era um dos que não tinham alcançado a meta, me via obrigado a pagar prendas, como subir na mesa e fazer flexões. Ao mesmo tempo, meus colegas eram instigados pelos gerentes a passar as mãos nas minhas nádegas. Às vezes, era obrigado a desfilar de saias ou passar por um corredor polonês formado pelos colegas, puvindo palavrões e ofensas, como ‘burro’ e ‘imprestável’. Em seguida, eu ia para o banheiro e chorava escondido. Um dia de trabalho depois disso era o maior sacrifício. Em casa, vivia estressado, brigava com a minha mulher. Estava a ponto de explodir.” [6]

Perguntamos: os colegas eram obrigados a humilhá-lo? A resposta pode ser: “Sim, ou ele(s) perderia(m) o emprego”. Discordamos.

Analisando filosoficamente, Sócrates acreditava que era melhor sofrer o mal que infligi-lo. Hannah Arendt, uma das filósofas mais importantes do século XX, em seu livro “Responsabilidade e Julgamento”, nos explica tal pensamento:
“Se somos confrontados com dois males, assim reza o argumento, é nosso dever optar pelo menor, ao passo que é irresponsável nos recusarmos a escolher.” [7]

Ou seja, entre perder o emprego e humilhar o colega, prefere-se o mal menor de acordo com sua acepção: humilhar o colega.

E Arendt expressa sua discordância com a assertiva de Sócrates:
“Esse argumento é um dos mecanismos embutidos na maquinaria de terror e criminalidade. A aceitação de males menores é conscientemente usada para condicionar os funcionários do governo, bem como a população em geral, a aceitar o mal em si mesmo.”
(…)
“Infelizmente, parece ser muito mais fácil condicionar o comportamento humano e fazer as pessoas se portarem de maneira mais inesperada e abominável do que convencer alguém a aprender com a experiência, como diz o ditado; isto é, começar a pensar e julgar em vez de aplicar categorias e fórmulas que estão profundamente arraigadas em nossa mente, mas cuja base de experiência foi esquecida há muito tempo, e cuja plausibilidade reside antes na coerência intelectual do que na adequação e acontecimentos reais.” [8]

Tanto a gerência quanto os outros funcionários assediaram moralmente a Ronaldo. Se os colegas de trabalho da vítima tivessem usado da faculdade humana de pensar, poderiam julgar a situação de acordo com suas experiências e desobedecer as chamadas “ordens superiores”. Se não o fizeram, é porque estavam/foram condicionados a concordar com o que lhes foi ordenado, e preferiram o mal menor (a humilhação do colega) à demissão individual e/ou coletiva.
Pensar não é uma atitude mecânica, mas um diálogo silencioso e profundo do homem consigo mesmo, que leva a uma decisão de acordo com a moral. Se tivessem parado para “pensar” (conforme o exposto acima), chegariam à conclusão de que seriam incapazes de conviver consigo (lê-se: por se constatarem, então, malfeitores) para o resto de suas vidas.
Neste sentido, para Hannah Arendt:
“…o pensamento que devemos lembrar é uma atividade, e não o desfrute passivo de algo.
(…)
“A moralidade diz respeito ao indivíduo na sua singularidade. O critério de certo e errado, a resposta à pergunta: “O que devo fazer?”, não depende, em última análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor nem de uma ordem de origem divina ou humana, mas do que decido com respeito a mim mesma. Em outras palavras, não posso fazer certas coisas porque, depois de fazê-las, já não serei capaz de viver comigo mesma.” [9]

Mas para a sociedade atual, é muito mais “fácil” não pensar e, sim, simplesmente agir condicionadamente pelo meio externo e pela correria cotidiana. Assim, “pensar dá muito trabalho” e “é trabalho de filósofos”: eis o estereótipo que impera. Não é assim que dizem?
Bem, sobre o caso de Ronaldo, este foi indenizado no valor de R$21.600,00 (vinte e um mil e seiscentos reais), quantia considerável nos tempos atuais. Porém, dinheiro algum nesse mundo é capaz de pagar o sofrimento físico e psicológico da vítima, cujas marcas podem permanecer por uma vida inteira.
Ainda segundo os estudos da Dra. Margarida no trabalho retro mencionado, a intenção do assediador moral seria “desestabilizar a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego”.
Quem agüentaria ficar num ambiente de trabalho onde todos caçoam de suas atitudes? A demissão voluntária traz menos despesas à empresa, obviamente. É muito cômodo colocar o funcionário numa posição desconfortável a ponto dele mesmo “pedir as contas”.
Devemos diferenciar o assunto aqui tratado com “a natural pressão decorrente do mercado cada vez mais competitivo do mundo globalizado, ou o exercício regular do direito do empregador exigir produtividade de seus empregados.”[10]
Isso quer dizer que a pressão do dia-a-dia na empresa, a correria, as intermináveis tarefas, geralmente em nada têm a ver com o assédio. Estamos vivendo num mundo globalizado que tem uma de suas características a competição real e a tendência de correr para não ficar para trás. Essa é a realidade não só empresarial, mas, principalmente, no setor público.
A situação é bem diferente quando o chefe ou mesmo o colega de trabalho começa a agir de maneira a humilhar e rebaixar ao outro. Aí deve-se ficar atento para não cair numa cilada emocional que pode destruir emprego, convivência social e familiar, e até mesmo a própria vida.
Os danos que o assédio moral pode causar ao empregado são seríssimos. Também conhecido como síndrome del acoso institucional, acoso moral, psicoterror, coação moral ou mobbing, o assédio moral no trabalho ultrapassa não só as fronteiras internacionais, como também qualquer categoria profissional. Médicos, advogados, operários, vendedores, representantes comerciais, diaristas, não há preferência profissional na desta perversidade.
A vítima pode sofrer “danos emocionais e doenças psicossomáticas, como alterações do sono, distúrbios alimentares, diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo, insegurança, entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e de depressão. Em casos extremos, pode levar à morte ou ao suicídio.”[11] Ademais, a capacidade laborativa do empregado é extremamente atingida.
O assédio moral dá direito à rescisão indireta. O trabalhador ainda pode pedir indenizações morais e/ou materiais. Para tanto, faz-se necessária consistente coleta de provas. Eis aí a parte mais difícil: como provar? A dificuldade existe por tratar-se de uma violência sutil, psicológica, e não física. Acontece quase que de maneira “invisível”.
Meras alegações de nada valem ao Judiciário. A este interessa somente as provas, cuja coleta pode transforma-se em grande teste de paciência ao assediado. Tão logo a vítima perceba que está sendo assediada moralmente, deve reunir documentos escritos pelo assediador, como e-mails, cartas e bilhetes, além de laudos médicos, cartões de ponto, e quaisquer outros documentos que provem uma perseguição. Gravações das ofensas do malfeitor diretamente à vítima também são possíveis. Outra prova importantíssima são as testemunhas, que podem comprovar gestos, comportamentos e palavras relativas ao assédio. Recomendável também é procurar um advogado para melhor aconselhar-se na questão probatória.
É relevante mencionar que as conseqüências de tamanho abuso atingem não apenas ao assediado, mas sim a toda a coletividade, violando os direitos à saúde e à dignidade humana, o que evidencia a gravidade do fato.
Ademais, há conseqüências para a própria empresa (como a baixa produtividade, por exemplo), e ainda para os governos, uma vez que as enfermidades dos trabalhadores resultam em gastos de atenção sanitária e seguridade social.
No sentido de combater este mal, a legislação ainda não é completa, existindo apenas poucas leis e alguns projetos de normas jurídicas, além das Sentenças Judiciais de Tribunais de diferentes instâncias começarem a servir de precedente judicial e jurisprudencial.
Andrea Fabiana MacDonald, advogada argentina, expõe em seu artigo “Um novo fenômeno no Direito do Trabalho: mobbing ou violência trabalhista”, algumas soluções propostas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), entre as quais a solução preventiva:
“Soluções preventivas: que tomem em conta a origem da violência, e não somente seus efeitos;” [12]

A OIT entende que não adianta apenas criticar o malfeitor, indenizar as vítimas, gastar “rios” de dinheiro com a atenção sanitária e seguridade social; é necessário agir na fonte, na raiz, para que essa árvore não cresça mais. Precisamos entender as causas/motivações que levam o assediador a agir de determinada maneira é essencial para que as ações sejam de fato eficazes no combate ao assédio moral.
Não encontraremos, porém, a resposta mágica para a questão “como erradicar o assédio moral da sociedade”. Devemos entender o que se passa na mente do malfeitor para que possamos trabalhar as causas do mal, motivar a reflexão dos legisladores, e quem sabe até conscientizar os assediadores no sentido de mudarem seus valores e caráter.

Assim nos ensina o Prof. Jorge Luiz de Oliveira da Silva:
“De uma forma ou de outra, qualquer que seja o perfil do assediador, tudo converge para uma mesma constatação: é ele um fraco, porque demonstrou ser incapaz de construir sua própria felicidade, deixando de praticar atitudes que o conduziriam à conquista do bem.” [13]

Para atingirmos tal objetivo, faz-se necessária uma pesquisa interdisciplinar (Filosofia, Psicologia, Psiquiatria e Direito) no sentido de abrir os caminhos científicos e alcançar seu pleno desenvolvimento. Estes são os primeiros passos para a conquista de um bom ambiente de trabalho, onde haja respeito ao trabalhador e à cidadania.





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UOL Houaiss. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2005.